domingo, março 07, 2010

Sob um teto de estrelas

Pousou sobre o rosto o livro que terminara de ler. Era tarde. Não saberia precisar a hora. Havia terminado a leitura e pensava no que havia lido. Perdera a noção do tempo imerso nestes pensamentos. A esposa dormia ao lado. Ela já se habituara ao abajur ligado até tarde ao seu lado. Ao leve som do virar de folhas. Ele não dormia, lia na esperança de chegar o sono.
Pensava quando o som do interfone invadiu a noite, sendo tocado assim, de repente, tão tarde. Embora desperto, sobressaltou-se. Ainda era madrugada. O sol sequer ameaçava nascer e ainda era possível ouvir o telintar das estrelas no teto da noite. Era tarde e o interfone tocou uma segunda vez. Sobressaltou-se novamente a espera de um terceiro toque para, só então, atender caso houvesse um quarto toque.
Um carro lentamente passou pela rua. Talvez fosse o ronda. É possível ouvir o som do motor se aproximando e se distanciando sem se importar com quem estava na porta da casa tocando o interfone a esta hora. Tocou a terceira vez. Silêncio. Outra vez o silêncio. A esposa não acordara. Esta acordava apenas quando ouvia o choro abafado da criança querendo mamar ou o primogênito querendo que fossemos ao seu quarto ver se não havia nenhum monstro embaixo de sua cama. O telefone, as sirenes, os gritos nas calçadas de madrugada não a acordavam. Nem o quarto toque do interfone foi capaz de desperta-la.
Levantou-se com o cuidado de não incomodar a esposa que dormia sossegada. Saiu do quarto e parou para se ver no espelho em frente a mesa do jantar, a cara estava amarrotada. Os olhos fundos de um sono que não vem trazendo-lhe descanso e os fios de barba que serão ceifados pela manhã apontam em seu rosto cansado. Abriu a porta da sala. Desceu as escadas e chegou ao portão. Olhou o céu enxergando além das estrelas sobre seus olhos. A noite discorria lentamente e neste instante todo o universo parecia estar ao alcance de suas mãos. Abriu o portão lentamente tentando não imaginar quem estivesse do outro lado. Do outro lado estava ela. Parada com grandes olhos ansiosos que brilhavam ao suave toque da luz estelar. Ela sorriu. Ele não raciocianava muito bem a esta hora. Tentava entender o que aquela mulher fazia na porta de sua casa tão tarde. Pensou na esposa. Nos filhos. Quis voltar para a cama. Ela, no entanto, avançou em seu pescoço e o beijou com fúria como se neste gesto estivesse impresso toda a salvação humana. Toda a alegria do mundo. E assim se beijaram. Boca com boca. Ele a colocou contra o muro, beijou-lhe a boca, o pescoço, o colo. Ela tentava dizer qualquer coisa sobre o que veio fazer em sua casa. Ele a beijava e a esmagava contra o seu corpo suspendendo-lhe uma das pernas. Ela o havia procurado por tempos. Ele metia-lhe as mãos nas coxas e nádegas. Ela não sabia mais o que dizer, sentia seus pelos em sua pele e corpo contra o muro e o corpo dele. Ele afastara-lhe a calcinha e deixava sua mão circular em seus encantos mais íntimos, sentindo-lhe a umidade escorrendo-lhe pelas pernas. As palavras da boca dela confundia-se com o arfar de sua respiração à medida que as mãos dele aprofundavam-se nas carícias e sua língua percorria todo o seu colo e seios e a barba recém crescida fazia-lhe o corpo todo se arrepiar. A respiração acelerava. Ele a penetrou sem perceber as palavras que ela disse ao dizer te amo. Ela envolvia seu corpo entre braços e pernas. Ele batia seu corpo contra o dela. Ela retribuia cada vez mais envolvida.
Ali, na rua, recostada ao muro ela encontrou o homem que há tempos procurava. Ele ainda estava atordoado pelo sono, pelo cansaço, pela madrugada. Saiu de dentro dela aliviado. Afastaram-se os corpos. Ela o encarava sôfrega. Ele atordoado sentia novamente a necessidade da cama. Deixou a mulher encostada ali no muro. Desalinhada. O rosto desfigurado. Os seios à mostra na míngua da luz dos postes. Ele se voltou para o portão. Entrou sem lhe dizer nada. Antes de chegar à porta da sala ouviu o som de um carro se aproximando. Era o ronda. Teve certeza ao ver as luzes do giroflex iluminar a rua. Entrou em casa. Trancou a porta da sala. Ignorou seus olhos no espelho. Antes de se deitar novamente correu o olho no quarto das crianças. Estava tudo bem. Se deitou pronto para o sono que agora era certo. A esposa dormia tranquilamente. Beijou sua face e antes de dormir pôde ouvir o interfone tocar mais uma vez... outra vez... outra vez... depois não ouviu mais.

10 comentários:

  1. Como sempre as mulheres é que se ferram no final hsuahsuas :/

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  2. Que mulher atrevida! Nao tinha como esperar mais nada ja que tinha começado daquela forma...
    Adorei o texto!Nao da vontade nem de piscar só pra saber como vai terminar...

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  3. Há coisas que só mesmo sob um teto de estrelas.
    As coisas começam como se nada fosse acontecer, como se ele fosse ser engolido pela quarto a meia luz até que surpreendentemente tudo acontece. Adorei! Forte, direto, num ritmo gostoso de se ler.

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  4. Olá, Renato!
    Felicito-o pelo seu blogue! Gostei muito de ler este belo texto; de sentir a história!

    Grato, pela sua visita!

    Abraço-poema,

    jmj

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  5. Deve-se ler com a respiração contida. Suspense. Sem julgar, sem escolher a melhor atitude a ser feita. Somente as estrelas como testemunhas...O personagem andou bebendo muitas palavras!

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  6. Carlos Renatto diz:
    hahah
    tem que comentar pra registrar a visita

    comentando o/
    realmente como a gabi disse ali não dá pra piscar, de tanto que a história nos prende. Ótimo texto Renatto ;D
    Abraços

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  7. "Entrou sem lhe dizer nada"? Acho que não. Acho que ele já havia dito muito, havia dito tudo, respondeu com seu corpo, com seu desejo, com sua intensidade tudo que ela esperava perguntar...O corpo as vezes responde mais certo o que palavras não servem para falar.
    Gostei da vida do texto. Abraços.

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  8. Tem muita coisa acontecendo entre um e outro toque de interfone, mano. Gostei.
    Paz e bom humor, sempre

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  9. Sandro, Muito obrigado pelos elogios e principalmente pelas críticas... vamos manter contato, gostei da sua sinceridade. Quanto as palavras que falou, elas estão no lugar certo... tanto quanto à grafia quanto ao significado. Vamos falar melhor sobre isso (carlosrenato@msn.com).

    Abraços e valeu pela visita...

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