sexta-feira, novembro 02, 2012


Barata pode ser um barato total

"E eu gostava tanto de você..." e como gostava. Dos 8 aos 10 anos de idade eu frequentava a colônia de férias para os filhos dos funcionários da MBR (hoje Vale), que além de tudo aquilo que era muito bom em uma colônia de férias para crianças, havia um fato bem interessante que sempre me lembro: as viagens de ida e volta. A diversão começava no ônibus quando os monitores regiam velhas canções populares que eram cantadas com muita empolgação pelo pequeno coro infantil, músicas que, certamente, são bem conhecidas pelas pessoas da minha idade (32). "na boiada já fui boi / boiadeiro já fui rei" e também: "moro num país tropical / abençoado por Deus / e bonito por natureza, mas que beleza". E acabava uma e a gente logo emendava "um dia a areia branca seus pés irão tocar e vai molhar seus cabelos a água azul do mar". Todas as crianças sabiam cantar. É claro que não eram músicas para nossa idade e muitas nem eram daquela época, mas eram estas que a gente ouvia por aí, nas rádios que nossos pais escutavam e até mesmo na TV. 
Nessas viagens a gente cantava algumas letras sem ter a menor noção do que estavam falando como: "quem dera ser um peixe para sem seu límpido aquário mergulhar" ou "Eu não sou besta pra tirar onde de herói, sou vacinado eu sou Cowboy, Cowboy fora da lei", mesmo assim era bom cantar, era gostoso, sonoro, as palavras eram bonitas de serem ditas, os versos eram saborosos e essas músicas nos deixavam mais felizes, mesmo as que não entendíamos muito bem.
Eu já me interessava por outros nomes e outros sons nesse tempo, como não havia internet à disposição, só dava pra ouvir o que tocava no rádio e nessa época tocava Cazuza, Titãs, Legião e Paralamas. Eu já apurava meu gosto por letras bem compostas e assuntos que diziam respeito a mim. Gostava de saber sobre o que esses caras estavam falando e também queria falar o que eles cantavam. 
Estes nomes que citei foram ajudando a compor minha personalidade misturado a tudo que vivi, li e senti. Hoje não escrevo uma linha sem ter ouvido uma música antes. Às vezes vou de rock'n roll, às vezes vou de Diana (que adoro). Na década de 1990 eu consegui mesclar artistas de 80 e 70 ao que surgia naquele momento. Nação Zumbi, Skank e O Rappa foram fundamentais, porém a banda que mais tinha (e ainda tem) haver comigo era o Pato Fu. Tudo que eles faziam era muito doido e bem diferente das outras coisas que tocavam por aí. Era qualquer coisa alternativa-experimental-meio-eletrônica, Rotomusic de Liquidificapum me trouxe novos olhares. Talvez a responsável por esse gosto meio estranho seja a Rita Lee ou talvez o Tom Zé, não sei dizer. 
Daí por diante vi nascer muita coisa boa, artistas que até hoje ouço tranquilamente. Representantes do pop / rock / mpb / raggae / brega e tantos outros estilos. Gente que canta bem, toca bem e principalmente compõem muito bem. Letras elegantes como: "se eu fosse a sua e não mais uma / as quatro luas eu lhe daria / pra me tornar sua maria / uma canção eu cantaria / minha resposta ao que eu ouvi / a mais bela melodia / foi roubar pra minha história / sua poesia de outrora"(1). Canções divertidas e leves: "Cada andorinha é lotada de pinheiro e o joão-de-barro adora o eucalipto. A ordem das árvores não alteram o passarinho"(2) ou simplesmente músicas muito boas pra cantar: "Perdi a hora de voltar para o trabalho / Voltei pra casa e disse adeus pra tudo que eu conquistei / Mil coisas eu deixei / Só pra te falar / Largo tudo / Se a gente se casar domingo / Na praia, no sol, no mar / Ou num navio a navegar / Num avião a decolar / Indo sem data pra voltar / Toda de branco no altar"(3).
Aprendi com a Jornalista Mariana Peixoto que existe no munda música bom gosto, mau gosto e desgosto. Atualmente eu me pergunto, onde foi parar o bom gosto? Mesmo com tantas possibilidades e alternativas por que as pessoas (no geral) aboliram a boa música? Mesmo em estilos que não tenho intimidade como o axé o pagode e o funk carioca, sei que tem pessoas legais produzindo coisas legais, porém até eles perderam espaço para a maçaroca musical que impera no momento. Será o tempo da supressão da linguagem o que mais se ouve por aí são "tchus" e "tchas" e "thês" e "barás" e 'hã" e "ai ai ai" e "te pego" e "balada" (balada é a palavra do momento). Essas expressões ou onomatopeias ou seja lá o que for vêm substituir palavras que levamos tantos séculos para definir como nossa identidade. Talvez isso seja reflexo de falta de leitura, da educação precária que as pessoas estão recebendo ou porque nossos ídolos e heróis (Lê Neymar) ouvem esse tipo de som. Se fosse apenas para ser divertido estava valendo, pois não é possível ver beleza em versos como: "Se eu te pego hã" (hã?) "Nossa, nossa. Assim você me mata. Ai se eu te pego" ou "Se você me olhar vou querer te pegar e depois namorar, curtição, que hoje vai rolar o tchê", "Eu já te peguei e te fiz enlouquecer Bara bara bará bere bere bere berê" E no atual-clássico: "Cheguei na balada, doidinho pra biritar, Eu quero tchu eu quero tcha"!
Enfim, fico muito feliz em saber que tem uns caras bem novinhos por aí que tiveram referências na infância tão boas quanto às minhas e por conta disso estão produzindo coisas que valham a pena: "Olhe pra junto dos meus pés / você consegue reparar / no tempo de nós dois / E ver assim como se dança / o passo é cheio de esperança / espero amar depois"(4). Ou um jovem carioca cantando: "Fica por aqui / Vem cuidar de mim / Vamos ver um filme, ter dois filhos / Ir ao parque / Discutir caetano / Planejar bobagens / E morrer de rir / Fica bem aí / Que essa luz comprida / Ficou tão bonita / Em você daqui"(5) e mais: "Quando Maria caiu no meu coração / Não tinha espuma era de barro batido / Não tinha palha de coqueiro para amenizar o sol / Era vermelho e só vermelho o coração"(6). Por estas e outras vejo que tudo no mundo tem jeito, só não sei ainda que jeito tem, mas tem.

(1) Céu - Valsa pra Biu Roque. (2) Tulipa Ruiz - A ordem das Árvores. (3) Marcelo Jeneci - Pro sonhar (4) Silva - A Visita. (5) Cícero - Vagalumes Cegos. (6) Tibério Azul - Quando Maria me fundou o carnaval.

Um comentário:

  1. sempre me pergunto isso. tanta coisa boa por aí, POR QUE OUVIR EU QUERO TCHU? e principalmente: POR QUE OBRIGAR TODO MUNDO A OUVIR, colocando no último volume? Como dizem, quanto maior o volume da música, menor o cérebro.

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