segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Não é você, sou eu!

- Procuro alguém que me faça feliz. Não há novidade nenhuma nisso, eu sei. E não é que você não tenha me feito feliz, não é isso. A questão é que todos nós procuramos alguém que nos faça felizes, entende? Mas isso também não importa agora, o que importa mesmo é que eu estou a procura de alguém que me faça feliz como todos, na verdade, estão.
- Entendo!
- O problema não é você, sou eu!
- Entendo!
Ele se enrolava com as palavras! Ela consentia apenas. Depois das palavras foram cada um para um lado, como era de se esperar. Ela seguiu em direção ao banheiro como que para retocar a maquiagem, que de certo borraria mais tarde. Ele caminhou em direção ao balcão como que para pegar um cigarro, se esquecendo da promessa que fizera de parar com este vício tão logo. No caminho choraram. Os dois. Ela no banheiro chorou recostada ao espelho. Ele chorou no bar sem que os outros homens pudessem percebê-lo. Choraram sem lágrimas. Ela voltou sem precisar reparar a pintura do rosto. Ele voltou tendo se esquecido do cigarro. Ao se verem sorriram como se a despedida fosse alegre como um reencontro. Caminharam em direção à porta do restaurante. Se beijaram no rosto e ela seguiu em direção contrária à dele. Não sabiam qual rumo tomar.
- Quer que eu chame um taxi?
- Não é preciso, obrigada! Quero caminhar um pouco.
Caminhou até dobrar a esquina, se controlando para não cair na armadilha de não olhar para trás. Ele saiu em seu carro sem muita certeza do que fazer ou para onde ir.
Os motivos, talvez, não soubessem. Ela queria mais dele. Ele queria menos dela. Se queriam na mesma intensidade, embora houvessem controversias. Pensavam em amor, apego, paixão, sexo, na necessidade que sentiam um do outro e como era bom ter a companhia um do outro. “careço de ti, meu anjo. careço de teu amor”, mas é preciso mudar os pequenos gestos que nos confundem.
Pecaram por não perceber os pequenos gestos.
Quando se encontraram essa noite para jantar já sabiam da decisão um do outro. Já vinham se despedindo pouco a pouco com o tempo. Ele se esquivando com os amigos em ambientes que ela preferia não frequentar. Ela se perdendo em casa como se ali pudesse escapar dos pensamentos que iam longe, certamente, onde ele estava.
A perda é inevitável. E perder dói. Doiam-lhes os pensamentos esta certeza. Doeu quando os olhos disseram adeus. Doeu quando o tom de voz foi de despedida. Quando viraram as costas e partiram. Se partiram ao meio. Ele parte aliviado. Ela parte desassossego.
Agora é ter paciência, não há o que tenha sido feito ou que deixaram de fazer que não possa ser perdoado. Perdão é responsabilidade de cada um. Com o tempo será possível avaliar o que se perdeu com a distância. Ela subiu calmamente a Afonso Pena, ele circulava pelas ruas próximas. Se encontraram como que sem querer na Praça do Papa onde era possível ver as luzes que embalavam a noite, os carros modificando a paisagem, as aeronaves que chegavam e partiam na Pampulha. Era o lugar ideal para estar sozinho entre tantos outros tão sós. Era o local onde se conheceram e se apaixonaram há algum tempo.
Se encontram, sorriram entre as lágrimas que não conseguiram esconder, sentaram lado a lado sem a necessidade das palavras e olhavam a cidade toda a sua frente, os carros que, ansiosos, atravessavam a noite e os aviões que decolam e aterrisam lá longe, carregando em suas asas tantos outros destinos.

“Careço de ti, meu anjo. Careço de teu amor” Excerto do poema “O Soldado Espanhol” de Gonçalves Dias.

7 comentários:

  1. caraamba..
    que texto liindo..
    lindo mesmo, parabéns.. hahahah
    é dificil imaginar duas pessoas que se amam se separando, mais se é uma coisa que sera melhor pras duas.. que seja! :/
    adoorei.. ;) abração,

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  2. Carência: é do que o Homem mais sofre.
    Carecemos de nós mesmos e aí nos tentamos em outros.

    BELO TEXTO SR BELO!
    rs

    Abraços!

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  3. Lindo o texto, me identifiquei muito...
    E as coisas acabam sendo assim mesmo. Um quer mais, o outra menos. Ou cede ou acaba, mesmo gostando ainda.
    Abraços.

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  4. As vezes usamos o orgulho com quem menos precisamos... dai perdemos a chance de viveer algo que nao acreditavamos existir... Pra variar... Voce brilhou no texto!

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  5. Hm gosta da idéia de 'se separar pra se encontrar', já que pra se ter uma pessoa é preciso antes de tudo não precisar... Mas esse reencontro é na verdade meio improvável (adoro essa palavra shaushaus).
    Lindo lindo lindo.
    Beijos

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  6. O texto é sensível, delicado, na medida certa. A eterna busca humana, destinada para fora, quando as respostas já estão dentro. E quem nunca viveu algo semelhante? Então...qualquer semelhança é mera coincidência! Tânia Dias

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  7. Separação é fardo que todos carregam na vida. Talvez por isso a vida vá pesando mais e mais com o tempo, pois vamos acumulando perdas, colecionando despedidas. Nunca é fácil, nunca é leve, mas, uma coisa é real: a arte se utiliza dela (da separação) desde sempre para produzir as coisas mais belas (como esse texto aqui) Abraços.

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