terça-feira, setembro 21, 2010

A vontade que ele tem de permanecer triste

Observava pela janela o ar parado nas mediações. Esperava que Stella voltasse com o vento. Tão só nessa janela que serve apenas pra mostrar que há mais céu que sua vontade imensa de permanecer triste.

Era final de uma estação e início de outra. Suavemente o vento preenchia a paisagem com seu pas-de-deux com o abacateiro. Observou atento uma folha se soltar deste. Tac. Debrussou-se sobre a janela na esperança de vê-la tocar o chão. A folha descia cambaleante arrastada pelo vento num bailado que só a fugacidade de folhas que se soltam no outono são capazes de dançar. A folha do abacateiro tocou o chão. O vento ainda teimava em conduzi-la, arrastando-a por mais alguns pedaços de quintal sobre a grama e os ramos de saudades, parou quando tocou a amoreira. Ele observava. Era a primeira folha a cair da nova estação que acabara de chegar trazida pelo vento.

É dado que não se pode ignorar. Esperava que no dia 20 de março, como marcam os calendários, às 14 horas e 33 minutos, chegasse o outono. Oficialmente. Mas faltavam alguns dias. Porém, ele percebeu claramente que o vento inda agora trouxera a estação consigo. Moveu todo um tempo, como se o universo inteiro fosse deslocado. Antecipadamente. Ouviu dizer que o mundo está em descompasso. Talvez isso explique, mas tem acompanhado os noticiários da televisão, só que deste fato ainda não deram conta.

Por acaso levantou-se e foi à janela nesta tarde temporã. Não fazia esse movimento a algum tempo. Ir à janela. Na verdade só foi abri-la, pois o cheiro fechado do quarto misturado às guimbas de cigarro, bebida destilada e do seu corpo sem banho há semanas estava lhe dando náuseas. Levantava-se apenas para as necessidades básicas. Ir ao banheiro. Ir à cozinha buscar pacotes de bolacha Maria ou pegar outra garrafa de vodka.

Bolachas Maria, vodka barata, a vontade que ele tem de permanecer triste e a imagem de Stella sendo trazida pelo vento.

Ele tem se dedicado a assitir TV. Os programas matinais de culinária e assuntos variados. Os jornais de meio-dia que repetem as notícias que foram dadas pela manhã. Os programas vespertinos, as novelas, os filmes, jornais em todos os formatos e à noite dorme com a TV ligada sem saber ao certo o que acontece na madrugada. Tem se informado de todas as formas e todos os meios. Sabe dizer tudo sobre o que anda acontecendo pelo mundo. Tragédias, crimes, mudanças bruscas no clima, embora nenhum canal tenha anunciado a antecipação do outono.

Tem consigo a impressão que isso seja reflexo do terremoto do Chile. Crê. Parece que o abalo foi tão forte que deslocou o eixo da Terra. Talvez os cientistas não tenham percebido este detalhe. Ou, por interferência da NASA, essa informação não fora divulgada para não causar alarde. Agora com o verão menor o que seria das outras estações? O inverno será maior ou os dias serão todos menores? A dúvida o cerceava e ele sabia que era detentor de uma informação preciosa. Pôde ver a primeira folha outonal cair bem diante dos teus olhos. Porém, a vontade que tem de permanecer triste não o deixava fazer nada além de ir à cozinha pegar outra garrafa de vodka e se deitar na esperança que Stella volte trazida pela estação que nascia prematura.

3 comentários:

  1. Consegui enxergar completamente o personagem @___@

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  2. Que texto mais poético Renatto,cada dia gosto mais dos seus escritos!
    Me encantam!
    Lindo toda a vida!
    beijos

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  3. Cara, o dizer que exala o sentir nem sempre é ao alcance, mas a mim me parece que mesmo o sentir não é também ao alcance...aos cegos de sentir, boa direção apontaste com seu texto!
    Bernardo G.B. Nogueira

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