sábado, janeiro 16, 2010

Dentro da Noite

Teria sido tão mais fácil se você tivesse apenas me feito chorar. Vejo seu corpo se afastando do meu. Lentamente se afastanto do meu. Meus olhos estão fixos num caminho que não posso seguir. Por onde passam seus passos. Caminho em sentido contrário. Na madrugada. Pelas ruas desertas dessa cidade tão pequena. As ruas parecem um nunca ter fim. Não há curvas. Caminho sempre para frente. Sei que me levarão para o mesmo lugar de sempre. Caminho vigiado por algumas estrelas mortas que teimam em brilhar, olhando-as tento alcança-las, sem, no entanto, reconhecer as pessoas que despercebidas passam por entre portas fechadas de estabelecimentos comerciais, árvores a enfeitar as calçadas, postes com suas luzes acesas, placas sinalizado o trânsito e os pesadelos que surgiram ao ver você partir.
Olho fixo o chão em que caminho. O chão parece me faltar. Caminho. Forte. Bravo. Determinado como se fosse verdade. Como se fosse ontem, quando ainda nos olhavamos e sorriamos como se fossemos os jovens apaixonados que fomos um dia com os corações pulsando cada vez mais forte e a cabeça cheia de sonhos e desejos. Caminho. Enganando qualquer um que acredite no silêncio dos meus olhos fechados a outros olhares. Atravesso ruas, avenidas, postes, praças, flores, mentindo para quem olhar, enganado a noite, passo a passo, veloz como a vida, contumaz como a guerra, caminhando em direção contrária ao vento. Caminhando só para chorar em meu quarto vazio.
O vento a balançar as árvores mais altas. Álguem, que como eu, atravessa a noite e não me percebe. O tempo passa por nós. Caminhamos em tempos diferentes. Estamos em universos diferentes. Diferentes. Ele quase encosta em meu braço, mas não me percebe. Eu quase encosto em seu braço, mas o ignoro. Ele caminha sem sequer saber para onde vai. Eu sequer caminho para onde meus passos me levam. Sempre sei onde me levarão, embora não queira nunca. Lágrimas pendem em meus olhos e faz com que as luzes se turvem. As luzes dos postes se turvam diante dos meus olhos. Os sinais na madrugada são turvos. Estrelas, letreiros, faróis se turvam. Estes pensamentos que me acompanham são turvos. Tento não correr e sou atravessado por sua imagem me dizendo palavras que machucam tanto.
Sonhavamos com o que realmente importava e estávamos enganados. Sonhavamos descobrir o mundo juntos. A cada dia ao nascer da primeira estrela, olhavamos para ela juntos e sonhavamos. Desejavamos o que nos tornaria felizes e estavamos enganados. Caminho sobre este asfalto frio de fim de estação e sei que estavamos enganados. E era bom o engano. Agora que estás longe não pensas mais em mim acredito que estávamos enganados.
Enquanto se afastava era como se estivesse saindo de dentro mim e me doía, sabia que não mais a veria além dessa noite onde tudo ao meu redor se fez negro e seus olhos me dizendo boa noite como quem diz adeus fez a noite e tudo o que ela cobre ficar negro. Minha alma se fez negra. Meu pensamento se cobriu de negro. Desde então não sou mais o que costumava ser, me enterrei ali naquele ponto onde comecei a andar e não sei se pararei. Teria sido tão mais fácil se você tivesse apenas me feito chorar. À minha frente só vejo portas fechadas, janelas fechadas, as luzes das casas apagadas, esquinas de ruas pelas quais nunca passarei. Cães vadios pela magrugada caminhando errantes como eu.
Sonhavamos e estavamos enganados. E ver o teu corpo partindo diante dos meus olhos e vê-lo seguir para um lugar onde minhas pernas não podem alcançar e saber que não tocarei o branco de sua pele e não ter você ao meu lado quando nascer a primeira estrela no fim da tarde jogados lado a lado sobre a grama de mãos entrelaçadas, os joelhos pesando um de encontro ao outro a espera da primeira estrela. E não mais nos enganar sonhando com um futuro que não passará de uma ilusão em nossas mentes. Devias apenas ter me feito chorar. Palavras machucam tanto. Eu não teria que atrevessar a noite contra o vento que não deixa que as lágrimas corram pelo meu rosto. Teria sido tão mais fácil.
Encaro novamente o céu. Encontro a estrela que nos pertence. Ela brilha entre as outras. Sei que ela nos pertence. É o que sobrou de nós e o que há de bom guardado na saudade. É a estrela mais bela, assim como o seu sorriso que é doce. Queria tê-lo aqui comigo. Gostaria que fosse meu como esta estrela que nos pertence e a lua que brilha imensa. Engarrafaria seu sorriso. Fechando-o hermético. Amarraria um belo laço em fita colorida e o colocaria circunspecto em meu criado mudo para vê-lo ao amanhecer. Todos os dias ao amanhecer. Enquanto nossa estrela brilha forte e teu sorriso permanece ao meu lado pelas manhãs que se seguem. Enquanto continuo acreditando no imenso amor que um dia sentimos um pelo outro.

8 comentários:

  1. Incrível como tudo o que a gente sente, tudo o que se passa,vira poesia. A gente é poesia, poesia que você traz de maneira muito bela.
    Lindo texto!Saiba que você é um de meus poetas que estão sempre me ensinando a ver a vida do melhor ângulo.Parabéns!

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  2. Lindo Renato!
    As noites costumam ser lindas. Mesmo quando tristes, mesmo quando sozinhos...
    bj

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  3. Embora nós, e tudo que nos rodeia, sejamos finitos, não aprendemos lidar com o fim das coisas. A dor dessas perdas nos leva a lugares que não saberíamos que poderíamos ir e que na verdade, passamos a vida desejando não ter que ir lá...Lindo texto, Renatto, linda poesia, lindo o percurso doloroso da personagem. Abraços.

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  4. O que eu posto aqui?? O_o

    Esta cada vez mais dificil ficar sem um livro novo seu!

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  5. Lindo texto, Renato. Você estava num dia muito especial, adorei. Um abraço

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  6. nossa.. que ótimo o texto.. muito bom, triste só que belo. parabéns *-* (sô teu fã, hahah')

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  7. Isabela Fagundes Dilly26 de março de 2010 às 23:52

    se vc estivesse do meu lado, quando eu estava lendo este texto..vc veria oq é se emocionar....Está perfeito, simplismente perfeito, E ME FEZ CHORAR!!!! Mesmo....Eu sei oq passou....afff! Droga to chorando ainda!!!!...Bolacha

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