É complicado convencer um sujeito mais velho sobre determinadas questões.
Eu tentava convencê-lo do contrário, mas o homem não mudava a opinião. Mesmo ela estando estampada na minha pele. Ele tentava me convencer que eu não era mestiço e isso é fato que não dá para negar, é só olhar para minha cara e pronto. Mas ele não, queria me enquadrar numa categoria que não me cabia.
Disse até ser mulato, mesmo sabendo que não sou, mas ele não...
Ainda na escola eu tentava entender essas coisas, o que era mulato, mameluco, cafuzo e outros tantos e pensava se um dia conheceria pessoas assim, tão estranhas, e mais tarde fui descobrir que sou assim também, estranho. Ou se preferirem: mestiço!
Tentei dizer pro sujeito que meus pais são de origens distintas. Minha mãe nasceu no estado do Rio de Janeiro, filha de um negro ferroviário descendente de escravos que veio da Bahia e casou com minha vó paulista que é filha de um português do Algarves, desses de anedota. Usava bigode longo e tinha uma padaria, mas começou a vida em São Paulo na instalação de postes do telégrafo. Meu pai é sujeito da roça, caboclo da região central de Minas, não se sabe a origem do seu pai, o meu avô, dizem que é herança do tempo dos tropeiros, então suponho que tenha qualquer coisa de indígena e africano em seu sangue, mas minha outra vó, mãe do meu pai, era índia, dessas com grandes olhos negros e o cabelo de dar inveja em qualquer moça da cidade. Ela foi raptada pelo meu avô numa tribo caiapó no Alto Paranaíba durante uma expedição a Goiás. Dessa cruza nasceu meu pai que nem sei dizer se tem cor. E do encontro dele com minha mãe nasceu eu, e o sujeito ainda insiste em dizer que não sou mestiço.
Ele insistia mesmo em dizer que eu era um branco meio isso meio aquilo. Moreno. Mas o sujeito é branco ou não, é negro ou não, e por aí vai. Eu sou mestiço. Pelos dicionários de língua portuguesa mestiço é exatamente o que eu sou, como tantos outros por aí. Tentava até explicar para ele que o povo brasileiro deveria ser todo classificado como mestiço, embora uns sejam mais mestiços que os outros. Mas ele não, batia o pé e firmava que eu sou praticamente branco.
Tentei outras investidas, mas ele era irredutível. Indaguei se ele conhecia Pernambuco, mas ele não quis nem saber. Não se importava. Pois se ele conhecesse iria perceber que lá são quase todos como eu, embora muitos tenham os olhos azuis, e até diria que eu tenho cara de pernambucano, uma mistura danada de boa de raças, culturas e crenças e então perceberia que eu sou mesmo mestiço como pernambucanos, mineiros e paraenses, mas mesmo estando equivocado o cara do serviço militar teimava em me classificar como branco. Mas devido à minha insistência e tamanha falta de paciência com o assunto, me classificou como pardo para eu não ter do que reclamar. Pardo! Pardo é a vaca da... deixa pra lá!
Isso só pode ser pirraça, porque pardo, pra mim, é cor de bicho!
Pardo pra mim é cor de papel shahsuash
ResponderExcluirOi Renatto,
ResponderExcluircreio que inicia um novo estilo e uma nova fase, com essa forma diversa de ver uma cor. Adorei.
Essas definições realmente são complicadas. Ter que ser isso ou aquilo e ponto. Se não é, surge uma nova cor de burro fugido pra fechar o assunto. Enfim... Eu sou negro e não tenho o que discutir, é fato. (adoro!!!) Por várias vezes já fui indagado se participava de algum movimento de cultura negra e coisa e tal, e quando respondo que não, os olhares caem matando. O engraçado é que além da definição não basta ser, tem que ser e levantar bandeira, daí eu digo que a bandeira já está levantada desde 1986, ano em que nasci. Mania que as pessoas tem que querer ponto em tudo, quando na verdade, nesse caso, somos todos uma (...) sem fim!
ResponderExcluirde noite (e de dia), todos os brasileiros são pardos. ou seriam os gatos que seriam pardos?
ResponderExcluiro que sei eu?
carlos,
acho tão cacete esse papo de racismo, mesmo quando se manifesta assim, em definições "técnicas"... esse lance de "definir" o indefinível...
poxa, num país como o nosso (somos misturados: ponto!), isto tudo já deveria estar melhor resolvido. somos gente. matéria. espírito. imperfeições. e pode jogar mais umas azeitonas e um ovo frito em cima, que também fica bom.
pardo pra mim, é canário que ainda não amarelou suas penas.
deixo um abraço imenso.
roberto.
ps: passei por itabirito, a caminho de ouro preto, semana passada... quase entrei... rs... mas fiquei com medo do fantasma de telê santana, um de meus ídolos.
Valeu pela visita Roberto, e adorei as azeitonas e o ovo frito, rsrsr
ResponderExcluirE quanto a Itabirito, pode entrar sem medo, o fantasma do Telê anda mto preocupado com a próxima copa... hahah
Abraços!
adorei o texto..
ResponderExcluiresse lance é complicado mesmo.. a umas 4 ou 5 geraçoes passadas ouvi dizer que tive um avô negro, agora eu não seei a minha descendência e morro de curiosidade de saber.. feliz você que sabe! *-*
P.S.: pardo o envelope!
kkkkkkkkk
Deviam no Brasil é classificar, logo de cara, todos de mestiços, porque por aqui é raro encontrar alguém completamente 'raça pura', somos um povo mestiço por natureza,em todas as veias corre inevitavelmente um quê de indio, português, negro, italiano, japonês, etc...se não quiserem nos classificar como mestiços vá lá, podem dizer então que a gente é mesmo Brasilês...Adorei o texto, Renatto. Escrita deliciosa! Beijos.
ResponderExcluirGostei do texto!
ResponderExcluirEsclarece certos pormenores que os Portugueses não sabem,é verdade!
Abraço Carlos