Se amor fosse o que dizem os poetas, talvez seríamos menos complicados.
– Às vezes penso porque me comportei dessa maneira ou daquela. É estranho, pois não tenho que pensar por quais motivos agi. Apenas agi. Como qualquer um que vive e age não pensando, só agindo. Ninguém pensa no vento depois que ele venta e arrasta o que encontra pela frente. Ninguém pergunta porque ventou ou porque venta. Nem o vento pensa nisso. Ventar é ventar.
Acordou.
Hoje abriu os olhos e se viu no espelho quando levantou. Se levantou da cama e olhou fundo em seus olhos negros. Viu o que era, dentro do que sempre acreditou ser, e era apenas o que aparentava ser. Se viu pela primeira vez. Desnudado. Era fantasia. O que viveu, criou e imaginou era apenas fantasia. Se escondia dentro do peito. Um peito carregado e pronto para explodir de tanta gente errada que já carregou. Só que agora não dá mais para fugir.
– Você não cabe mais aí dentro, seu merda! Saia!
– Minha alegria ficou presa a isso, pois, como homem, aprendi a pensar, e pensar atrapalha quando se quer agir, então, sofro enquanto penso no que deveria fazer e não faço sem pensar o que tenho que fazer sem pensar. Como ouvir música, por exemplo. Se ouço pensando, não ouço, Mas se penso em ouvir, ouço a música inteira. Depois penso nela e escrevo sobre ela, porque escrever agora não é mais uma opção é um vício assim como fumar e fazer sexo. Tento não escrever sobre o que está acontecendo, e o que não está acontecendo, porque se eu me preocupasse com o porquê de estar acontecendo, eu não seria um poeta, seria outra coisa e essa outra coisa não me agrada.
Como imaginou terá que se refugiar em outro lugar. Um pouco mais distante de seus belos olhos negros. Existe algo que o incomoda profundamente.
Não quer mais estar apaixonado.
– Tente se olhar no espelho a sua frente. Tente se ver escondido aí dentro, tente se ver de verdade e pare de se esconder. Agora não dá mais. Você pensou que seria fácil e até acreditou que depois voltaria e ficaria tudo bem. Seu coração não o deixará descançar. O corpo. A cabeça. Os pensamentos não descansarão. Quando saiu, trancou por fora o peito, mas terá que voltar. Não foi desta vez, nem será noutra. Você terá que voltar e encarar todos os fatos, os medos, as fotos emolduradas nas paredes, os momentos desfeitos e tudo de errado que parece ter feito.
– Os homens erram por pensar. Pensar no que não deve e por acharem complicado o que não entendem e não se submetem, e nisso vão errando. Um erro atrás do outro. Se agissem como o sol seriam mais felizes. Nasceriam e morreriam. Nesse intervalo realizariam coisas importantes, como iluminar o dia de alguém, e não pensariam em outra coisa.
Ele não errou sozinho.
– Você não errou sozinho! Sei que não fez por mal. Os homens erram por acreditarem que não erram nunca. E por se acharem melhores que o sol a lua as estrelas. Verme! Este é o pior erro. Mesmo assim, você é um homem. Devo considerar, confesso. Pode errar, desde que se arrependa e tente outra vez. Assim talvez você se torne um homem um pouco melhor. Melhor que aqueles que não acreditam em estrelas.
Reparou em seus olhos negros. Eles são tristes. Tristes como ontem à noite quando voltava para casa sozinho. Só como em todas às vezes que teve que voltar para casa.
– O pôr do sol nem sempre é belo, porque se estou triste ele é triste e me faz chorar. E quando estou alegre apenas o sinto, como quem sente de uma flor, o perfume trazido pelo vento.
– Não te deram abrigo, não te deram colo.
Nenhum afago em todas as noites em que esteve só. Só como o sol. Só como a lua. Só como um cometa que vaga impetuosamente sem um destino que lhe queira. Por caminhos que levam a parte alguma.
Ajeitou os óculos.
Suas lentes não disfarçam a estranha tristeza que o impede de se ver como deveria. Suas lágrimas ficaram escondidas atrás de pensamentos distraídos que teimam em aparecer e persegui-lo. Seus olhos não contam mais suas histórias. Não decide sobre que caminho seguir. Nem quer abrir os olhos. Há mil enleios por perto e dentro dele, e indefinidamente como se fosse inverno se cobre e se aquece e se esquece. Enlouquece! Viver, senão amar. Fechar os olhos e se entregar. Campos de muitas flores. Paixões demasiado abstratas. Motivos que povoam este mundo domado por incertezas.
– Apesar de tudo eu penso para escrever, mas eu não penso na caneta que uso, nem no papel que escrevo. Abro a mente e deixo o pensamento sair como uma cachoeira que cai impetuosamente morro abaixo sem se preocupar com o que está lá embaixo. Mesmo porque se preocupasse, não cairia, teria medo.
– Acorde! você precisa acordar. Saia deste mundo indolente de lágrimas, poesias e sonhos. Diga a verdade a si mesmo, sem medo, sem receio. Mas antes de gritar suas palavras fuja daqui, corra o mais rápido. Impassível. Impertubável. Corra! Pois a verdade vai te machucar.
A verdade é o que está escrito em seus olhos negros e aflitos.
– Quando penso em tudo isto, fico um pouco triste. E ninguém pensa assim. As pessoas pensam em outras coisas. Talvez se pensássemos iguais, seríamos uma floresta. Seria bom. E se pensar demais nisto tudo, pode acontecer de ficarmos muito tempo pensando no que não tem importância e perderíamos tempo com bobagens, como em milhões de palavras que não são nada e não dizem nada, mas tento usá-las para dizer que sempre te amarei, embora, não te queira mais.
Cara, muito bom o texto, bem ao estilo de Fernando Pessoa.
ResponderExcluirGostei muito, e, inevitavelmente, junto com Heidegger, quando diz que o acesso do homem ao Ser é pela palavra poética, o dizer poético...penso:
Talvez não sejamos mesmo capazes do Ser? E ainda, se a linguagem é a "morada do Ser", como existirmos sem ela? E como amarmos sem ela? E como vivermos sem o amor?
Parabéns pelo texto!
Abraço,do amigo,
Bernardo G.B. Nogueira
Meu comentário:
Diálogos...
...brindaram à espera, e mal sabia-se que aquele momento eternizar-se-ia em seus, coração e pensamentos.
No entanto, por não saberem desse trote é que se apaixonaram, sim, pelo amor, não pela espera. Mesmo que fosse necessário àquele amor uma espera, era, sem dúvida, um amor ao amor...
Os dias foram-se estendendo. Como é dado ao tempo. Ele passa. Mas, cá dentro deles havia um relógio que não articulava-se bem ao mais kantiano dos relógios...talvez um prenúncio do que estava por vir...claro?
Aquela espera, tornou-se a forma de viver que escolheram mutuamente, ou melhor, foram escolhidos. Escolha tácita, sem avisar, sem expressar, pois à vida, a essa podemos apenas nos dar, e, com sorte, ela se nos retribuirá...se nos dará. Parece que um Toquinho já havia dito isso junto com um poetinha...
O estar nesta espera movia os ávidos corações, e os corações moviam-se em direção à espera, mesmo que os relógios do mundo, "mundanais", continuassem a "cucar"...
Mas, sofriam ao mesmo tempo em que amavam, ao mesmo tempo em que esperavam, daí, no silêncio do seu "não tempo", e num dia desses frios do inverno, "o coração, que já andava cansado de esperar", resolve pedir um alento, quem sabe aos céus..?
Assim ficou decidido, no dia seguinte, desses dias seguintes que o “mundo das coisas” marca, iria pedir ajuda para resolver sua espera... Assim o fez, clamou aos céus uma solução para sua difícil questão:
Nada ouviu, nem nada sentiu, apenas percebeu que não havia mais o tempo - nem o frio do inverno -, não havia mais a espera, nem aquela sensação apertada que lho conduzia dias a fio...agora a questão era outra, e em forma de diálogo travou esta batalha:
Oh céus(!), de quão grande aflição você me impelira, que nem mais os dias distingo das noites em que amofino?
Qual o antídoto para sanar o amor que desatina meus sentidos temporais?
Hei de recusar a um (o tempo), ou ao outro (o amor)?
E assim lhe foi dito no diálogo derradeiro:
Aos homens, seres nutridos de coração e finitos temporalmente, é pedida uma coisa em face do amor:
Esperem, não tentem-mo temporizar, seria impossível a vocês - pobres criaturas mortais - ampulhetar-me, dado que sou um infinito(!), um impossível(!), portanto, resta a si esperar...Mas saibam:
A eternidade da existência está na espera do amor...
Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito - já no inverno de 2010...
Feliz pela visita e pela tão ilustre comparação com meu grande amigo Pessoa. Tento me aproximar, desavergonhadamente, dele, sem o menor pudor.
ResponderExcluirAbraços Bernardo
Lindo texto. Linda reflexão que parte da fuga do não querer pensar e chega no inevitável amontoado de pensamentos que somos nós escritores, poetas, faladores dos nossos sentidos e fazeres...pensamos sem querer pensar...Abraços
ResponderExcluirIncrível
ResponderExcluirEscrito em seus olhos negros...tocante!
ResponderExcluirEscrito em seus olhos negros...tocante!
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